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domingo, 23 de abril de 2017

Para Lennon e McCartney: os Beatles e o Clube da Esquina


O tempo, o mesmo: início da década de 1960. Em Liverpool, jovens ingleses iniciam aquela que se consolidou como uma das bandas mais importantes da história da música pop, importante ainda hoje e alcançando novos e jovens admiradores. A influência dos Beatles é incontestável e sem limites geográficos, ecoando nas distantes minas gerais, onde garotos se reuniam para jogar bola de manhã e tocar violão ao anoitecer, grupo de amigos e parceiros que constituiriam o Clube da Esquina, referência da Música Popular Brasileira, cuja excelência e composições se inspiraram, também, no expoente do rock britânico, sem contudo, limitar-se a eles. Jazz, Bossa Nova e música folclórica e erudita formavam o manancial sonoro dos mineiros. Acrescidos, agora também, da novidade inglesa. As referências dos Beatles evidenciam-se em versos e canções, algumas menos evidentes e outras mais explícitas.
O tempo é outro, foge à cronologia linear do calendário. As poéticas divergentes dos meninos de Liverpool e dos garotos das minas gerais denotam exatamente isso. Talvez o espaço em que ambos os grupos viviam colaborem para a modificação operada via música, via canção, via arte. Sempre plural. Periféricos e, por que não, antropofágicos, os instrumentistas, compositores e arranjadores do Clube da Esquina mastigaram as diversas influências e as devolveram de modo autoral, genuíno, outro, novo. É possível afirmar que o Clube da Esquina, mais que um grupo com ideias sonoras afins, individualizou-se e caminhou, parte do todo, como singularidades, isto é, irrestritos a uma única assinatura. Bituca, Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Toninho Horta e tantos outros trilharam seus caminhos autorais, muito embora em diálogo constante, talvez em acordo estético, paradoxo das empreitadas individuais a partir do ponto de partida comum, em uma retroalimentação musical. As parcerias comprovam um pé no Clube e outro na caminhada autoral e singular.
O tempo é sempre presente. É desse tempo que falamos quando tratamos de arte. Para Adorno, apenas a arte está no presente. Conjuga-se ao agora da arte, a releitura que Deco Fiori, Dudu Baratz, Eduardo Braga, Sérgio Sansão, Dudu Viana e Victor Bertrami fazem tanto dos Beatles quanto do Clube da Esquina, em cartaz no Parque das Ruínas, em Santa Tereza. Mais que isso, os multi-instrumentistas congregam para o espetáculo, em arranjos extraordinários, dois momentos singulares da música popular, atualizando, ou transformando, as músicas dos ingleses e as dos mineiros. É com Para Lennon e McCartney, canção composta por Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges, que os músicos de primeiro time rendem tributo ao Clube da Esquina, com arranjos que presentificam aquele tempo distante dos anos 1960, agora novamente muito atuais, presenteado o público que compareceu ontem na estreia. A qualidade dos músicos, do repertório e do encadeamento das canções -- não é demais reforçar a feliz surpresa que os arranjos causam -- recebe imediato júbilo no público, insatisfeito apenas com um único bis, pois havia espaço e desejo para muito mais. 
O tempo é eterno, na arte. A estreia do show em Santa Tereza, que assemelha-se, geograficamente, às minas gerais, espaço elevado no litorâneo Rio de Janeiro, restitui, de certa forma, o ponto de encontro dos meninos do Clube da Esquina. O espaço exíguo do teatro do Parque da Ruínas também colabora para a familiaridade dos então vizinhos nas ruas de Minas. Espaço este que já demonstrou, com a superlotação e a ótima acolhida do público, a emergência de casas maiores para receber a grandiosidade do show. Há muita gente ainda a aplaudir a apresentação dos Músicos (com letra maiúscula) que estão em cartaz no Parque das Ruínas neste e no próximo fim de semana, às 19h30. As ruínas que o tempo pretérito do início dos Beatles e do Clube da Esquina podem indiciar, sobretudo na sociedade efêmera na qual vivemos, são edificadas nos acordes, nos arranjos e nas vozes que atualizam e presentificam a arte musical de dois importantes grupos da música popular. Melhor espaço para a estreia de show tão bom não poderia haver. Torço para que este seja apenas o início de uma turnê certamente vitoriosa. 
Convite feito, refestelecem-se. No tempo agora.

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